Argelino apontado como chefe de quadrilha foi preso
no Rio. Lamine Fofana conseguia ingressos exclusivos de convidados dos
patrocinadores da Copa.
Conheça o homem que só precisava de um telefone e das conexões certas
para negociar milhares de ingressos da Copa do Mundo e conseguir milhões
de dólares de lucro. É tanto dinheiro, que até carro forte foi usado
para abastecer a quadrilha que vendia entradas para todos os jogos da
abertura à final do torneio. Do assento mais barato ao camarote mais
luxuoso.
Quem é e como agia Mohamadou Lamine Fofana, o operador da máfia dos
ingressos ilegais que foi preso esta semana no Rio? Saiba como policiais
se infiltraram na quadrilha para monitorar os passos de cada integrante
do esquema, uma quadrilha sem limites, que tentou subornar uma
delegacia inteira.
A história é contada com vídeos, telefonemas, cadernos de
contabilidade, emails, mensagens de celular - tudo exclusivo, na
reportagem de Bette Lucchese, Tyndaro Menezes e Arthur Guimarães.
“Nós estamos com um mandado de busca e apreensão na casa do senhor. Nós
vamos fazer uma verificação na casa do senhor. Depois o senhor vai
acompanhar a gente na delegacia”, diz um policial.
Manhã de terça-feira (1º) em um condomínio da Barra da Tijuca. Equipes
da Polícia Civil do Rio de Janeiro prendem o argelino Mohamadou Lamine
Fofana, apontado como o chefe de uma máfia internacional de cambistas.
O vídeo, inédito, mostra as primeiras explicações que Lamine Fofana dá à
polícia sobre o que ele estaria fazendo no Brasil. Ele se apresenta
como empresário.
Policial: Vamos dar uma olhada aqui na sua casa, tá? Ingresso para jogo
de futebol, onde o senhor tem os ingressos aí guardado? Ingressos para
partida de futebol?
Lamine Fofana: Sim, da minha empresa.
Policial: Onde estão os ingressos?
Lamine Fofana: Vou mostrar pro senhor.
Lamine mostra ingressos.
Policial: Não tem mais ingresso?
Lamine Fofana: Não. Esse é da minha empresa. Fui com a minha família.
Policial: Quanto tempo o senhor passa aqui no Brasil?
Lamine Fofana: Eu vim ficar dois meses para trabalhar em um evento com a seleção brasileira.
Na verdade, segundo a polícia, Lamine Fofana veio operar um
superesquema de venda ilegal de ingressos. Um caderno encontrado com ele
seria uma prova disso. “Tá vendo aqui, a contabilidade, os jogos, os
valores dos ingressos, tudo na casa do Lamine”, afirma o delegado.
O argelino tenta explicar a contabilidade. “Aqui tem tudo que eu vou comprar para a Fifa”.
Comprar para a Fifa? Não precisa ser fanático por futebol para querer
estar dentro dos estádios nos dias de jogos da Copa: a alegria e a
emoção proporcionadas pelo evento, a importância de testemunhar o que
entra para a história. Os ingressos geram cobiça, e Mohamed Fofana
controlava o preço das entradas no mercado clandestino.
O Fantástico teve acesso com exclusividade à contabilidade feita pelo
argelino. A capa tem o escudo da CBF, mas é um caderno comum, comprado
em uma papelaria.
Em uma página aparece a contabilidade do jogo Brasil e Croácia, a
partida de abertura da Copa. São 52 ingressos VIP, que dão direito a
lugares reservados em camarotes, com serviço de alimentação e bebida.
Tudo cotado em dólar. Os da primeira categoria saem pelo equivalente a
R$ 12,6 mil. Os da segunda custam pouco mais de R$ 11 mil.
No caderno aparecem ainda mais 20 ingressos para Uruguai e Inglaterra e
40 ingressos para Brasil e Camarões. O total de dinheiro que esses 112
ingressos movimentam: R$ 912 mil.
“Calculamos que seriam 64 partidas nesse evento de Copa do Mundo em que
ele poderia render quase cerca de R$ 200 milhões em razão de, quando
mais chega às finais, o preço do ingresso iria aumentando”, afirma o
delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro Fábio Barucke.
Em outra página, anotações sobre o jogo final mostram que Mohamed
Lamine Fofana tinha pelo menos 25 ingressos VIP antes mesmo de a Copa
começar, cada um custando R$ 51 mil. Total: quase R$ 1,3 milhão.
Em um telefonema, gravado com autorização da Justiça, Lamine Fofana diz
a um homem não identificado que tem ainda mais ingressos para a final.
Lamine: Quem tem 50 final na mão? Ninguém! Entendeu?
Homem: Ninguém tem.
Lamine: Eu tenho.
Quem é esse homem de quem o torcedor nunca tinha ouvido falar e como
ele é capaz de conseguir tantos ingressos? Lamine Fofana atua há muito
tempo no mundo do futebol, em vários países. Foi jogador na Europa e na
América do Norte. Até ser preso no Rio, promovia jogos e prestava
consultoria a empresas, times e jogadores.
“Ele é amigo de vários jogadores de futebol; ele tem contato com as
federações, com as confederações. Então ele era um elo-chave na captação
e venda desses ingressos”, afirma o promotor de Justiça Marcos Kac.
No site da empresa dele, Lamine Fofana se exibe em fotos com artistas
de Hollywood e ex-jogadores brasileiros e estrangeiros. A empresa -
Atlanta Sportif International - fica nos Estados Unidos, mas ele faz
muitos negócios nos Emirados Árabes, como mostra um email obtido pela
equipe do Fantástico. Lamine Fofana pergunta a um contato no Brasil se
ele tem interesse em um time da segunda divisão nos Emirados.
E Mohamed Lamine Fofana sabe fazer agrados. Um vídeo feito pelos
investigadores mostra o argelino fazendo compras ao desembarcar no
Aeroporto Internacional do Rio. “Percebemos ele comprando uísque no
aeroporto para presentear esses jogadores”, afirma o delegado.
Um dos presentes é uma garrafa de uísque em forma de chuteira. Ele foi
também, de camisa branca, em uma festa, no Rio, oferecida a jogadores da
seleção tricampeã brasileira no Rio. O fato de uma pessoa famosa
aparecer em fotos e eventos ao lado do argelino não configura qualquer
relação com as atividades ilegais de Lamine Fofana.
Na verdade, o chefe da quadrilha de cambistas é um sujeito sedutor, que
na festa distribui os presentes comprados no aeroporto, por exemplo.
As conexões de Lamine Fofana não têm fronteiras. Em uma conversa em
francês, um telefonema que ele recebeu pouco antes de ser preso, ele
diz:
Lamine: Alô!
Contato: Lamine?
Lamine: Sim, sou eu. Você está onde?
Contato: Acabo de chegar em Bamako.
Lamine: Ah, sim, Bamako. Ok! Ok! Eu acabo de chegar ao Rio.
Bamako é a capital da República do Mali, na África.
Em outro telefonema, ele recebe, em inglês, encomenda de ingressos.
Comprado: Você tem um lugar muito bom? Como o que tivemos ontem? Para o próximo jogo em Brasília.
Comprado: Para a final também, ok?
Lamine: Vou trabalhar para final agora mesmo.
Depois, em francês, ele pede 30 ingressos a um contato no exterior.
Lamine: As 30 entradas que você tinha, você ainda tem?
Homem: Posso conseguir, sim.
Nesta Copa, segundo a Fifa, foram emitidos mais de 3,3 milhões de
ingressos. Uma parte deles é destinada aos patrocinadores do evento, ao
Comitê Organizador Local e às federações estrangeiras de futebol, entre
outros. São empresas autorizadas que revendem espaços nobres, onde são
montados camarotes, e o torcedor comum compra os bilhetes diretamente no
site da Fifa.
“Existe alguém dentro da federação internacional envolvido, porque
senão ele não conseguiria esse número excessivo de ingresso. Eles
movimentavam pelo menos mil ingressos por partida e muito menos a
qualidade dos ingressos”, afirma o promotor Marcos Kac.
O Fantástico apurou que existem 900 registros de ligações de Lamine
Fofana para um dos celulares oficiais de uso da Fifa aqui no Brasil, nos
dois últimos meses. Na quinta-feira passada, a Polícia Civil do RJ
pediu à Federação Internacional de Futebol a lista de todos os números e
o nome do usuário de cada linha.
“Estamos aguardando a boa vontade, para ver se eles vão ou não fornecer
essa lista, mas nós temos outros meios na investigação para chegar aos
nomes que a gente quer. E a gente está muito próximo de chegar nesse
nome”, afirma o promotor.
No celular do argelino, o nome Fifa aparece associado a vários nomes.
Em um, o contato inclui a palavra ‘tickets’, que em inglês quer dizer
ingresso.
“Quando as pessoas interessadas nesses ingressos ligavam para ele,
dizia que iria para o Copacabana Palace negociar para poder lá adquirir
esses ingressos valiosos e transferir para os clientes”, afirma o
delegado.
É no Copacabana Palace que está hospedada a delegação da Fifa.
Em outra troca de mensagens, Lamine Fofana diz a um interlocutor que
está tudo certo porque ele, Fofana, está nesse mesmo hotel. O
interlocutor responde: “Caramba, então vai dar tudo certo”.
Segundo a polícia, Lamine Fofana conseguia até ingressos que deveriam
ser exclusivos de convidados dos patrocinadores da Copa e também
entradas vendidas pelos agentes oficiais da chamada categoria
‘hospitalidade’, pacotes de luxo, com uma série de mordomias.
Um ingresso apreendido com o argelino, por exemplo, é de um desses
agentes, a Pamodzi Sports Marketing, da Nigéria. Por e-mail, a empresa
explica que os bilhetes não podem ser revendidos e que não tem controle
sobre o uso deles depois da venda.
“O Lamine usava o seu poder de influência para conseguir ingressos que ninguém consegue no mercado comum”, afirma o delegado.
Lamine: Você quer dez ingressos, correto?
Homem: Correto.
Em um telefonema, Lamine Fofana conversa com um dos principais contatos
dele no Brasil: Antônio Henrique de Paula Jorge, que também foi para a
cadeia nesta semana. Antes de ser preso, Henrique tentou retirar de um
banco R$ 177 mil em dinheiro vivo. Esse dinheiro o ajudaria a comprar
para depois revender ingressos ilegalmente.
Em uma conversa, o gerente do banco diz a Antônio Henrique que toda
essa quantia precisa de um esquema especial para ser transportada.
“Amanhã, 10 horas, eu estou aí. Eu peço um carro-forte, entendeu, para
você”, afirma o gerente.
Em outro telefonema, Antônio Henrique fala com um cambista que diz ter
acesso a seleções da Copa para conseguir ingressos. “Henrique, deixa eu
te falar: eu trabalho com três seleções. Eu tenho contato em três
seleções. Por jogo posso ter 50, 100 ingressos”, afirma o homem.
Uma das seleções seria a brasileira, e o fornecedor estaria dentro da
concentração da equipe, em Teresópolis, estado do Rio. “Eu tenho que ir
buscar lá em ‘Gromary'. Não precisa falar mais nada, não, né? Da onde
que é, não”, afirma o homem.
Antônio Henrique responde: “Tá bom, tá bom. Beleza”.
“Essa pessoa se dizia ter fácil acesso à Seleção Brasileira, que seria
de conhecimento de um jogador de futebol que ele iria lá na Granja para
pegar os ingressos que a Seleção teria recebido da Fifa ou da CBF a
título de cortesia. E esses ingressos seriam captados para entregar para
a quadrilha para poder vender para o público”, afirma o delegado.
Por telefone, a CBF não quis comentar o caso. Informou que não é parte
da investigação. A assessoria de imprensa da entidade afirma que não
circulam ingressos na Granja Comary, a sede da concentração da Seleção
Brasileira.
Já o diretor de marketing da Fifa disse em entrevista coletiva que a
entidade está colaborando com as investigações. “Eu estive com a polícia
e outras autoridades do Rio para assegurar a melhor colaboração que
podemos dar. Se eles tivessem o nome de algum oficial da Fifa, eles
teriam investigado e pedido para falar com a pessoa. O que eu sei é que
ninguém da Fifa foi abordado pela polícia”, afirmou.
A quadrilha é tão audaciosa, que tentou corromper os policiais dentro
da delegacia que concentra as investigações. Com autorização da Justiça,
os inspetores montaram uma armadilha para flagrar o suborno.
Em um vídeo, um integrante da quadrilha, Sergio Antonio de Lima,
oferece ingressos e dinheiro a um inspetor. “Ele saiu da delegacia
achando que nada tinha acontecido com ele, para que ele ficasse bem a
vontade, continuando conversando, fazendo as negociações para que no
final nós pudéssemos alcançar o maior número de integrantes da
quadrilha”, afirma o delegado.
Ao todo, 11 pessoas foram presas. “As provas no inquérito policial,
elas são contundentes, provando, passo a passo, tanto o crime de
cambismo quanto a organização criminosa. Nós estamos ainda apurando
evasão de divisa, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e mais alguns
outros que a gente possa vislumbrar no curso da investigação”, explica o
promotor.
Mesmo com as prisões, alguns contatos de Mohamadou Lamine Fofana
continuam agindo. No caderno de contabilidade dele, aparece um nome,
Olivier, e um número de celular. Ligamos para o número, perguntando por
ingressos para a semifinal Brasil e Alemanha, na próxima terça-feira
(8).
Oliver: Quantos ingressos você gostaria?
Produtor: Precisava comprar para pelo menos para cinco pessoas.
Oliver: Perfeito, temos. Temos.