G1 levantou dados de pelo menos 39 operações nas 12 cidades-sede.
No Rio, 5 meninas foram resgatadas da prostituição na semana passada.
Ana Carolina Moreno, Fred Carvalho, Lucas Nanini e Luna Markman
Do G1, em São Paulo, Natal, Brasília e Recife
Aos 17, Joana (nome fictício) foi levada contra a vontade a um ponto de prostituição em Pernambuco
(Foto: Mariana Frazão/TV Globo)
Nove dias antes da abertura da Copa do Mundo, e a apenas 2 km do
Maracanã, duas adolescentes de 17 anos foram encontradas em situação de
prostituição infanto-juvenil pela Polícia Civil do
Rio de Janeiro.
As meninas estavam sendo oferecidas por R$ 50, dentro de um recinto
escondido e trancado com cadeado na Vila Mimosa, famoso ponto de
prostituição da cidade.
Antecipando o esperado aumento das denúncias de exploração sexual
infantil durante a competição, as delegacias especializadas em crimes
contra crianças e adolescentes das 12 cidades-sede intensificaram as
operações de fiscalização de prostituição. Levantamento feito pelo
G1
nas 12 cidades mostra que, desde março, pelo menos 39 operações
conjuntas da polícia, conselhos tutelares e varas da infância foram
realizadas, resultando no resgate de pelo menos 20 menores de idade.
Fiscalização em Natal em 30 de maio visitou 18 de
30 cabarés mapeados pela polícia (Foto: G1 RN)
Segundo os delegados, as garotas encontradas em pontos de prostituição,
bares e hotéis geralmente estão sem documento ou usam documento
falsificado. A maioria dos resgates só acontece quando os policiais se
passam por clientes para se aproximar das jovens.
Em algumas cidades, a operação reunindo equipes grandes e uniformizadas
serve para mostrar que os locais estão sendo observados e inibir a ação
de aliciadores. Em outras, as denúncias são apuradas por investigadores
infiltrados, com o intuito de prender exploradores em flagrante –a
maior chance de comprovar o crime.
No Distrito Federal, as investigações levaram à prisão, nesta terça-feira (10), de um
homem de 51 anos suspeito de explorar sexualmente diversas garotas de 13 a 17 anos.
Segundo a delegada, o homem fazia festas em Samambaia e São Sebastião,
onde ele supostamente oferecia as meninas para prostituição.
Em
Natal, uma operação feita no dia 30 de maio e acompanhada pelo
G1
visitou 18 dos 30 cabarés identificados pela polícia na cidade. Todas
as mulheres encontradas pela equipe de cinco policiais civis, cinco
policiais militares e dez agentes do Poder Judiciário tiveram os
documentos checados. Quando são encontradas desacompanhadas, as menores
de idade são levadas pela polícia até a delegacia, onde são ouvidas na
presença de um conselheiro tutelar e entregues aos pais ou responsáveis
legais.
Operações em busca de menores em risco contam
com a polícia, conselheiros tutelares e varas da
infância (Foto: Henrique Dovalle/G1 RN)
A reportagem conversou com duas trans (termo usado para identificar
travestis, transexuais ou transgêneros) que trabalhavam como prostitutas
em um dos locais vistoriados. Na entrevista, ambas disseram que haviam
entrado para a prostituição quando ainda eram menores de idade. O motivo
era a promessa de dinheiro fácil.
A trans Larissa, de 19 anos, diz que se prostitui
desde os 14 (Foto: Henrique Dovalle/G1 RN)
"Não era isso que eu queria da minha vida, mas é assim que estou
conseguindo pagar minhas contas", afirma Larissa, nome de rua de uma
trans de 19 anos, que disse ter começado aos 14. Raquel, de 18 e também
trans, afirmou que as primeiras relações com meninos foram aos 13.
"Depois de algum tempo, vi que poderia ganhar dinheiro e passei a
cobrar, a fazer programas. Faço tudo o que o cliente quiser por R$ 80."
Além da exploração sexual infantil, as autoridades dizem que as
denúncias mais frequentes são de oferecimento de bebida alcoólica para
menores de idade e lesão corporal intrafamiliar (quando agressores têm
parentesco com a vítima). Em
Curitiba,
uma operação feita na penúltima semana de maio terminou com alguns
adolescentes encaminhados para casa e uma pessoa foi levada à delegacia
para assinar um termo circunstanciado (vender bebida para menores não é
um crime de alto potencial ofensivo).
20 dias de exploração
Na última terça-feira (3), a operação no Rio, que durou quatro horas e
meia, terminou com a prisão de três pessoas. "Estávamos investigando a
chegada dessas adolescentes havia 20 dias. Policiais descaracterizados
passaram a frequentar o local para realização de levantamentos sobre
quem aliciava as jovens e para onde as meninas iriam", afirmou ao
G1 o delegado da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV), Marcello Maia
(assista, no vídeo acima, reportagem da GloboNews de segunda-feira, 9, sobre a exploração sexual infantil no Rio de Janeiro).
Um dos presos foi apontado pela polícia como o proprietário do
estabelecimento, prostíbulo com adesivos alusivos a sexo e cartazes
anunciando o valor do programa e o preço do aluguel do quarto (R$ 12).
Segundo as autoridades, o homem é conhecido na região como "Rei das
Novinhas", e a investigação apontou que ele andava bem vestido e
ostentando objetos de ouro usados para convencer as garotas abordadas
que a prostituição lhes renderia dinheiro fácil.
No Rio, policiais infiltrados flagraram prostíbulo
que explorava menores (Foto: Divulgação/DCAV-RJ)
Na carteira dele, a polícia encontrou R$ 1.330. No celular, fotos e
vídeos com cenas de sexo com crianças. Além de suspeito de aliciar
adolescentes e faturar com a prostituição delas, ele é suspeito de
provocar aborto em uma menina de 16 anos, corrupção de menores,
receptação de veículo roubado e adulteração de sinal identificador de
veículos.
Também foi presa uma mulher de 22 anos, suspeita de atuar como gerente
do prostíbulo, recebendo os clientes e aliciando jovens, e um homem de
21 anos flagrado no meio do programa com uma das adolescentes.
Documento apreendido pela DCAV-RJ mostra que a casa mantinha um
controle de caixa com detalhes de todos os programas das mulheres
oferecidas aos clientes. As duas menores de idade usavam os nomes falsos
Michele e Júlia. Entre as 19h15 de 16 de maio e as 6h do dia 17, por
exemplo, o documento mostra que Michele atendeu cinco clientes e Júlia,
dois. Nessa noite, os programas duraram entre 20 e 30 minutos e cada um
rendeu aos aliciadores entre R$ 40 e R$ 50.
Segundo Maia, uma das jovens chegou a mentir a idade. Uma delas é
analfabeta e chegou à prostituição há dois meses. A outra mencionou que
estava nessa situação "já tinha algum tempo", afirmou ele. Ambas foram
encaminhadas aos conselhos tutelares de suas regiões, para que fossem
reunidas com os pais.
Na noite de quarta-feira (4), policiais infiltrados que vistoriavam o
bairro de Copacabana prenderam em flagrante um representante comercial
de 43 anos combinando um programa com uma adolescente de 17 anos. A
jovem confirmou que entrou no carro do homem após concordar em passar 30
minutos com ele em troca de R$ 100. A adolescente, moradora de
Mesquita, foi entregue aos pais na mesma noite. Ela foi uma de três
jovens resgatadas de situações de prostituição infantojuvenil em
Copacabana na semana passada.
Documento apreendido na Vila Mimosa mostra controle detalhado dos programas feitos pelas adolescentes (Foto: Divulgação/DCAV-RJ)
No Rio, adolescentes eram prostituídas por R$ 50
(Foto: Divulgação/DCAV-RJ)
Prisões são raras
"Exploração sexual é delicada, porque depende de pegar o intermediador", explicou ao
G1
a delegada Luciana Novaes, do Núcleo de Proteção à Criança e ao
Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria) do Paraná. Segundo ela, em 2014
mais de 350 inquéritos foram abertos pelo Nucria, sendo que a denúncia
mais comum é de estupro de vulnerável, quando a violação é cometida
contra menores de 14 anos. "Pode ser que mude durante a Copa, pode ser
que as adolescentes fiquem expostas a esses eventos públicos. Mas até
agora nosso maior índice de estupro é de vulnerável", diz ela.
No Recife, o gestor do Departamento de Proteção à Criança e Adolescente
(DPCA) de Pernambuco, Zanelli Alencar, afirmou que não há inquéritos
investigando rede de aliciadores de crianças e adolescentes no estado.
Até abril deste ano, quatro pessoas foram presas por favorecer a
prostituição e exploração sexual de crianças e adolescentes. "Este é um
crime difícil de ser apurado porque requer o flagrante. Geralmente, são
jovens que têm um histórico com problema familiar e moram na rua, então
um adulto remunera de alguma forma o sexo com este menor, comercializa o
corpo dele", explicou Zanelli.
O gestor diz que a maioria dos inquéritos são registrados como estupro
de vulnerável porque, além de ser mais fácil de comprovar, a pena é mais
dura. Entre 2012 e junho de 2013, a polícia chegou a encontrar cerca de
70 casos de adolescentes em situação de prostituição, sendo que, em
algumas ocasiões, a mesma garota já encaminhada a um conselho tutelar
voltava a ser encontrada nas ruas da cidade novamente.
Este é um crime difícil de ser apurado porque requer o flagrante.
Geralmente, são jovens que têm um histórico com problema familiar e
moram na rua, então um adulto remunera de alguma forma o sexo com este
menor, comercializa o corpo dele"
Zanelli Alencar,
Gestor do DPCA, em Pernambuco
Mais da metade dos processos nas varas de infância em Pernambuco são
relacionados a crime sexual. Na Copa, uma rede especializada vai atender
ocorrências com crianças e adolescentes. "Teremos dois postos na Arena
Pernambuco, um posto do DPCA no Centro do Recife, a Central de Plantões e
o próprio DPCA, além de ações de conscientização em hotéis pela
Delegacia do Turista", explicou o delegado Bruno Chacon.
Em
Porto Alegre,
Elisa Ferreira de Souza, delegada assistente da Delegacia para Criança e
Adolescente Vítima (DPCAV), afirmou que, entre abril e maio, quatro
operações foram feitas no Centro da capital gaúcha, no bairro Intercap,
na Orla do Guaíba e em motéis e drive-ins da cidade. Segundo a delegada,
as operações serão intensificadas durante o evento, com o reforço de
policiais civis do interior do Rio Grande do Sul.
A assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas
afirmou que, desde agosto de 2013, sete operações foram feitas em
Manaus para fiscalizar "bares e hotéis que serviam como pontos de
prostituição infantil e adulta, além de tráfico de drogas". A secretaria
não soube precisar o número de adolescentes resgatadas nessa situação,
mas afirmou que "famílias inteiras participavam dessas atividades
ilícitas". Os menores de idade e seus familiares em situação de
vulnerabilidade foram inseridos em programas governamentais.
Em
Brasília,
a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) explica que a
região está fora da rota de turismo sexual do Brasil. Por isso, casos
de violência sexual infantil com fins de exploração são menos comuns.
Nas últimas semanas, a delegacia conseguiu pelo menos quatro mandados de
prisão relacionados a estupro de vulnerável, mas não há comprovação
sobre a possibilidade de essa violação ser relacionada à exploração.
A delegada Valéria Martirena, de Brasília, diz que a
região não está na rota do turismo sexual
(Foto: Lucas Nanini/G1 DF)
"Há casos de meninas que são exploradas em troca de drogas. Nesse caso,
a situação é mais complexa. A investigação acaba ficando com a Cord
[Coordenação de Repressão a Drogas]", disse ela ao
G1.
"Quanto mais perto dos 18 anos, mais comprometimento elas têm e mais
difícil é identificar, pois elas precisam daquele dinheiro."
Antes da Copa do Mundo, a DPCA em Brasília fez um trabalho de
orientação com a rede hoteleira e com os taxistas do Distrito Federal
sobre como identificar um explorador sexual e como denunciar possíveis
casos.
Em Cuiabá, a assessoria de imprensa da Polícia Judiciária Civil de Mato
Grosso informou que a Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente (Deddica) recebeu o reforço de 11
investigadores durante o período da Copa. O objetivo é "manter plantão
de atendimento a demanda que possa ocorrer de casos de exploração sexual
de crianças e adolescentes, por meio de fiscalização de
estabelecimentos comerciais como bares, restaurantes, hotéis, motéis e
outros pontos com denúncias, além de averiguar todas as denúncias
repassadas pelo Disque 100 e os conselhos tutelares".
A delegacia especializada de
Belo Horizonte
também afirmou que receberá reforços de policiais do interior durante o
mundial, e que as forças policiais trabalharão em plantões entre as
8h30 e a meia-noite. Em Fortaleza, as diversas forças de segurança e
entidades que defendem os direitos das crianças e adolescentes foram às
ruas para fiscalizar bares e restaurantes nos dias 8 e 29 de maio. Em
Salvador,
a polícia afirma que os casos mais frequentes são de adolescentes que
se prostituem nas vias públicas, e que há menos denúncias sobre casos em
hotéis e prostíbulos. Durante a Copa do Mundo, a mesma operação de
fiscalização nas vias públicas feita durante o verão será retomada, com
reforço de policiais e escalas extras de plantão.
Em São Paulo, a Câmara dos Vereadores aprovou, neste ano, o relatório
final de uma CPI que investigou denúncias de exploração sexual infantil
em três locais da cidade: o terminal de cargas Fernão Dias, o Ceagesp e a
área no entorno do Itaquerão. Palco da abertura da Copa, ele fica perto
de uma favela onde, mesmo antes do início das obras do estádio, a
polícia já recebia denúncias de prostituição de meninas menores de
idade. Entre as recomendações dos vereadores está a "garantia de
orçamento para a revisão e a efetivação do Plano Municipal de
Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes". Porém, não houve detalhamento de quanto dinheiro seria
destinado a essa política.
A Secretaria de Segurança Pública não informou se operações contra a
exploração sexual infantil estavam sendo realizadas na capital antes da
Copa, mas afirmou que qualquer delegacia de polícia pode registrar e
investigar esse tipo de caso, inclusive as delegacias de Defesa da
Mulher. Ainda de acordo com a secretaria, policiais militares que
atuarão em grandes eventos passaram, desde o ano passado, por um curso
de enfrentamento ao tráfico de pessoas, exploração sexual e riscos
inerentes ao turismo.