Objetivo foi lembrar a alegria dos jovens, diz organizador da homenagem.
Centenas de pessoas se reuniram no dia que marca 1 mês da tragédia.
Familiares e amigos rezam Pai Nosso em homenagem às vítimas (Foto: Felipe Truda/G1)
Uma homenagem com muito barulho, abraços e emoção marcou a manhã desta
quarta-feira (27) no Centro de Santa Maria, Região Central do Rio Grande
do Sul. A ação, organizada pela Associação dos Pais e Familiares de
Vítimas e Sobreviventes da Tragédia em Santa Maria (AVTSM), reuniu
centenas de pessoas para marcar um mês do incêndio na boate Kiss, que
vitimou 239 jovens. Por volta das 7h muitos já se concentravam na Praça
Saldanha Marinho. Às 8h foi a vez de aplausos e de buzinas de carros que
passavam pelo local.
O barulho começou com os motoristas que passavam perto do local,
pontualmente às 8h. Amigos, pais e parentes de vítimas começaram a
aplaudir, e permaneceram por cerca de cinco minutos batendo palmas.
Depois, ergueram as mãos para o alto e rezaram o Pai Nosso. Por volta
das 8h30 o grupo começou a dispersar.
Centenas de pessoas se reuniram na praça para
a homenagem (Foto: Felipe Truda/G1)
"Reunimos os pais para que cada um possa se dar um abraço carinhoso e
lembrar da alegria dos nossos filhos, que eram jovens. Com certeza lá
onde eles estão, porque eles não morreram, estão em uma outra dimensão,
estão vendo e estão agradecidos com a nossa luta" declarou com olhos
encharcados por lágrimas Adherbal Alves Ferreira, pai da vítima Jennefer
Ferreira, 22 anos, e presidente da AVTSM. "Quero proporcionar a essas
famílias que elas possam voltar a viver, a ter força", tentou seguir
ele, interrompido pela emoção.
As pessoas vestiram camisetas brancas, muitas delas com fotos de
vítimas da tragédia, carregavam faixas e cartazes com homenagens. A
ideia inicial da organização era realizar um minuto de barulho, que foi
estendido por mais alguns com a sequência dos aplausos. A alegria dos
jovens foi lembrada em meio a lágrimas de saudade.
“Eles gostavam de fazer barulho. Vinham a esta praça e tocavam violão,
conversavam e frequentavam um bar aqui perto. Todos, ou quase todos,
vinham para o Centro. Era um ponto de encontro, e por isso é importante
fazermos este barulho aqui”, conta a técnica contábil e estudante de
Direito Cibele Facco, de 35 anos, que perdeu a filha Luana.
Cibele estava acompanhada do marido, o médico Pedro Oliveira, de 47
anos, padrasto da vítima, e da outra filha Luiza, de 12 anos. Pedro
conta que antes de morrer, a jovem contava os dias para se mudar de
Faxinal do Soturno, onde a família morava, para Santa Maria.
“Ela queria se mudar, e este ano vim trabalhar aqui. Ela estava
ansiosa, nós dizíamos para ter calma. Ela fez cursinho para ingressar na
faculdade e acabou não passando. Este ano ia passar”, lamenta.
Um dos idealizadores do ato, o vice-presidente do Conselho Diretor da
AVTSM, Leo Becker, explicou os objetivos. “É uma homenagem aos filhos e
um chamamento para que uma tragédia como esta jamais volte a acontecer
em qualquer parte do mundo”, afirmou o pai de Érika Becker, vítima da
tragédia.
Os turismólogos Oscar Pithan, de 46 anos, e Talita Heck, de 29,
participaram do ato para homenagear os amigos João Aluisio Treuliebe e
Larissa Holsbah, formados no Centro Universitário Franciscano (Unifra),
onde também estudavam e faziam parte de um grupo de dança. Eles contam
que também conheciam o músico Danilo Jaques, gaiteiro da banda Gurizada
Fandangueira, e o estudante Alexandre Machado, o Xandinho.
“Tínhamos amigos que foram colegas nossos, e outros que trabalhavam na
boate. Estávamos sempre juntos, fazíamos churrascos e festas. Depois de
tudo isso, decidimos acabar com o grupo de dança, que foi onde todos nós
nos conhecemos”, disse Talita.
Oscar considera o barulhaço a melhor forma de homenagear os amigos. “É
uma maneira de relembrar eles como gostávamos de vê-los, alegres e
animados”, conta.
Missas, caminhadas e atos de protesto também estão previstos
O grupo de parentes e amigos das vítimas também fará um ato ecumênico
na Praça Saldanha Marinho. Uma salva de palmas também está prevista em
frente ao Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM). Mas os
organizadores pedem que o silêncio seja respeitado no Hospital de
Caridade, onde quatro pessoas feridas no incêndio ainda seguem
internadas.
Diversas outras homenagens também estão sendo preparadas em memória das
vítimas em outros pontos de Santa Maria. A 8ª Coordenadoria Regional de
Educação (CRE) solicitou às direções de 108 escolas do município que
levem alunos e professores para o pátio às 8h, também para a salva de
palmas.
Às 19h, uma caminhada deve percorrer o trajeto da Praça Saldanha
Marinho até a Igreja Fátima, onde será celebrada uma missa. A
manifestação batizada de “Sair do Luto e ir à Luta" convoca os
participantes a vestirem roupas pretas e reivindica punição para os
responsáveis pela tragédia. Às 20h, será realizada uma missa oficial, na
Basílica da Medianeira. Celebrações e cultos de diferentes religiões
também estão programados por toda a cidade.
Na segunda-feira (25) terminou o luto oficial de 30 dias decretado pela
prefeitura de Santa Maria. Desde então, bares e casas noturnas da
cidade, que concentra mais de 40 mil estudantes universitários, estão
autorizados a abrirem as portas, desde que estejam com os alvarás e
demais licenciamentos regularizados. Adherbal, no entanto, acredita que o
luto na cidade vai permanecer por muito mais tempo.
Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande
do Sulx, deixou 239 mortos na madrugada de domingo, dia 27 de janeiro. O
fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira,
que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. De acordo com relatos
de sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o
momento por investigadores:
- O vocalista
segurou um artefato pirotécnico aceso.
- Era
comum a utilização de fogos pelo grupo.
- A banda comprou um
sinalizador proibido.
- O extintor de incêndio
não funcionou.
- Havia
mais público do que a capacidade.
- A boate tinha apenas
um acesso para a rua.
- O alvará fornecido pelos Bombeiros
estava vencido.
- Mais de
180 corpos foram retirados dos banheiros.
- 90% das vítimas fatais tiveram
asfixia mecânica.
-
Equipamentos de gravação estavam no conserto