D. Pedro I e suas duas mulheres tiveram restos mortais analisados.
Diálogo entre diferentes áreas pode ser positivo para a ciência no país.
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Tomografia dos restos de
D. Pedro I (Foto: Divulgação/
Valter Diogo Muniz)
A análise feita com os restos mortais de D. Pedro I e suas duas
mulheres, D. Leopoldina e D. Amélia, pode ajudar a impulsionar
diferentes campos de pesquisa no Brasil, segundo professores da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) que
participaram do estudo.D. Pedro I (Foto: Divulgação/
Valter Diogo Muniz)
Nesta segunda-feira (18), a arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel defendeu sua dissertação de mestrado no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, em um trabalho que envolveu a exumação dos restos mortais dos três nobres e exames do material em equipamentos da Faculdade de Medicina.
Nos próximos anos, ainda haverá mais análises em cima dos exames feitos com a família imperial. O diálogo entre medicina e arqueologia cria espaço para um campo de pesquisas ainda pouco explorado no país – a arqueopatologia, que estuda doenças a partir de vestígios do passado.
“Isso não é a área de ninguém. A gente vai ter que aprender a fazer isso”, afirmou Paulo Saldiva, professor do departamento de patologia da Faculdade de Medicina.
No Hospital das Clínicas da USP, as ossadas de D. Pedro I e D. Leopoldina, e a múmia de D. Amélia passaram por exames de imagens como tomografias, radiologias e ressonâncias magnéticas capazes de revelar aspectos da vida e da morte deles. Além disso, partes dos tecidos dos nobres foram retirados para análises genéticas que ainda precisam ser concluídas.
D. Pedro I, por exemplo, fraturou quatro costelas do lado esquerdo, o que prejudicou o funcionamento de seus pulmões – ele morreu de tuberculose, doença que ataca justamente esses órgãos. Já D. Leopoldina não tinha nenhuma fratura nem na perna nem na bacia, o que enfraquece a hipótese de que ela teria sido morta pelo marido – uma lenda histórica afirmava que D. Pedro I a teria empurrado escada abaixo.
Botão da roupa de D. Pedro I
(Foto: Divulgação/Valter Diogo Muniz)
Mas Saldiva ressaltou que “não precisa ser VIP” para se tornar objeto
de estudo com a aplicação dessa tecnologia. Segundo o professor, os
mesmos exames já foram feitos em um fóssil de jacaré coletado por
pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (SP) (Unicamp), que
queriam saber mais sobre a locomoção dos animais.(Foto: Divulgação/Valter Diogo Muniz)
E a técnica poderia ajudar a contar, ainda, outros capítulos da história do Brasil. “Um sambaqui [cemitério indígena], por exemplo, pode revelar as doenças que os europeus trouxeram para os índios”, sugeriu.
Mesmo levando em conta somente os exames já realizados com a família imperial, eles ainda devem render mais estudos. “O dado que já está colhido permite muito mais do que já foi feito até agora”, apontou Edson Amaro Júnior, professor do departamento de radiologia da Faculdade de Medicina da USP.
'Autópsia virtual'
O uso das técnicas avançadas de imagem no estudo dos mortos pode, ainda, facilitar o trabalho dos médicos forenses – que fazem a investigação das causas de uma morte. É o que Amaro chama de “autópsia virtual”.
Comenda que D. Pedro I tinha em seu túmulo
(Foto: Divulgação/Valter Diogo Muniz)
“A gente acredita que a informação da autópsia tem sentido se ela ajudar os vivos”, afirmou o médico.(Foto: Divulgação/Valter Diogo Muniz)
Na visão dele, o desenvolvimento de técnicas de "autópsia virtual" gera um novo campo na medicina, em que o profissional “é um radiologista que tem noções de patologia e de medicina legal”. “Mas também pode ser vice-versa”, completou, ou seja, o médico pode ter formação inicial em patologia ou medicina legal, e boas noções das outras duas áreas.
Amaro vê três principais áreas que podem se beneficiar com esses profissionais. Uma é a própria arqueologia, que poderá, cada vez mais, conduzir estudos como o feito com os restos mortais de D. Pedro I e suas mulheres.
A medicina forense é outra beneficiada. Segundo o professor, as autópsias são cada vez mais raras, em parte devido ao preço, em parte devido à resistência das famílias em autorizá-las. A autópsia virtual, segundo ele, se oferece como uma solução a longo prazo para ambos os problemas.
Além disso, Amaro acredita que novos diagnósticos de imagens podem ser desenvolvidos para o uso na medicina. Quando o exame é feito em um morto, é possível comparar melhor o resultado das imagens com o que acontece no corpo. Dessa forma, é possível obter leituras mais precisas de exames como tomografias e ressonâncias a serem feitos em pacientes vivos, acredita o médico.
Dona Amelia surpreendeu os cientistas por estar mumificada (Foto: Divulgação/Valter Diogo Muniz)
Entenda o casoCientistas brasileiros exumaram pela primeira vez para pesquisa os restos mortais de D. Pedro I, o primeiro imperador brasileiro, além de suas duas mulheres, as imperatrizes Dona Leopoldina e Dona Amélia.
De acordo com Valdirene, os exames foram realizados em 2012 – entre fevereiro e setembro. Ela afirma que obteve em 2010 autorização de descendentes da família real brasileira para exumar os restos mortais. No entanto, negociações para que isto ocorresse iniciaram anos antes. “De forma oficial, esse trabalho começou a acontecer em 2010, mas ele se iniciou mesmo há oito anos”, explicou Valdirene ao G1.
Os exames foram realizados no Hospital das Clínicas de São Paulo e contaram com a ajuda de especialistas da Faculdade de Medicina da USP.
Transporte feito de madrugada
Segundo informações do site do jornal "O Estado de S. Paulo", um esquema de segurança foi montado para transportar as urnas funerárias de madrugada desde a cripta imperial, no Parque da Independência, no bairro do Ipiranga, até o local dos exames, em Cerqueira César, onde, sob sigilo, os esqueletos foram submetidos a ultrassonografias e tomografias.
O site do jornal informa ainda que as análises revelaram que D. Pedro I fraturou ao longo de sua vida quatro costelas do lado esquerdo, consequência de dois acidentes -- uma queda de cavalo e quebra de carruagem. Isso teria prejudicado um de seus pulmões e, consequentemente, agravado uma tuberculose que causou sua morte aos 36 anos, em 1834. Ele media entre 1,66 m e 1,73 m e foi enterrado com roupas de general.
Exumação de D. Pedro I (Foto: Divulgação/Valter Diogo Muniz)
O "Estado" informa que a exumação dos restos mortais de Dona Leopoldina
contradiz a história de que a então imperatriz do Brasil teria
fraturado o fêmur após Dom Pedro I tê-la empurrado de uma escada do
palácio Quinta da Boa Vista, então residência da família real,
localizada no Rio de Janeiro. No exame, não foram encontradas fraturas.Imperatriz mumificada
No caso da segunda mulher do primeiro imperador do país, Dona Amélia, segundo noticia o "Estado", os cientistas se surpreenderam ao ver que a imperatriz foi mumificada e tinha partes do seu corpo preservados, como cabelos, unhas e cílios. Um crucifixo de madeira e metal foi enterrado com ela.
Relevância
De acordo com Astolfo Gomes de Mello de Araújo, professor de Arqueologia do MAE/USP e um dos orientadores do trabalho de Valdirene, a exumação dos corpos de parte da família real brasileira é importante para entender melhor o período imperial que o país viveu, que, segundo ele, é tratado com relativamente pouca relevância.
“O Brasil, de uma maneira geral, tem uma memória histórica curta (...) O trabalho mostrou que havia ali dados importantes, além de derrubar a dúvida de que ali pudessem não estar enterrados os restos mortais”, disse Araújo, referindo-se ao Monumento da Independência, cripta imperial localizada em São Paulo, onde estão as urnas funerárias.
Detalhe das mãos de D. Amélia segurando um crucifixo (Foto: Divulgação/Valter Diogo Muniz)
Ele disse que medalhas e comendas que foram enterradas com D. Pedro I
foram recuperadas durante a análise das urnas funerárias. Segundo o
professor, esses materiais passam por restauração e estão atualmente em
posse do Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura de São
Paulo. “Esse material foi recolhido e deve ser exposto”, explica.O orientador ressaltou ainda a importância da obtenção das autorizações para a exumação, tanto de integrantes da família real brasileira, quanto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
“Que isto sirva de exemplo até para outros países, onde há cada vez mais tabu em relação ao estudo de restos humanos (...) As pessoas acham que os restos mortais não podem ser manipulados. Isso é um retrocesso total, porque ali há informações importantes. Os restos humanos são tratados com respeito”, disse.
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