Paciente diz que vai trabalhar como voluntário, dando palestras.
Filha acredita que a recuperação total só ocorrerá após período maior.
“O uso de qualquer substância química é uma burrice que a gente não consegue sair. A gente fica cego”, afirma Reinaldo, sobre o consumo de drogas. Ele está internado no Hospital Lacan, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. A unidade de saúde possui uma parceria com o governo do estado e recebe pacientes que fazem tratamento contra a dependência química. Reinaldo foi o primeiro paciente internado involuntariamente após o início do programa lançado pelo governo estadual, que colocou juízes e promotores de plantão para atender medidas de urgência e acelerar casos com necessidade de internação.
Ana Paula mostra foto do pai, que está internado
(Foto: Tatiana Santiago/G1)
Em entrevista ao G1, que acompanhou parte da rotina de
pai e filha desde a internação, o paciente diz que já se sente
recuperado e irá pedir a segunda via da sua documentação assim que
receber alta hospitalar para procurar um emprego. “Vou trabalhar, nem
que seja para vender sucata, mas não vou ficar na dependência de
ninguém.”(Foto: Tatiana Santiago/G1)
No último sábado (23), ele recebeu uma permissão para passar quatro dias na casa da filha e depois retornar ao hospital. O procedimento faz parte do processo de ressocialização. Segundo a unidade de saúde, o dependente não recebe alta e, assim que retorna, fica internado por mais 15 dias. Depois, faz uma nova avaliação do quadro psiquiátrico. No período, ele reencontrou familiares, entre eles um filho que não via há seis anos, conheceu uma neta e frequentou a igreja.
Ele diz agora que pretende ajudar na recuperação de outros dependentes. “Vou dar palestras em igrejas e ajudar como voluntário contando minha história e tentando convencer outras pessoas a deixarem essa vida.”. Reinaldo, que parece ter recuperado a lucidez, conta que leu dois livros religiosos nos últimos dias. Após assistir às imagens da internação compulsória na televisão, ele concordou com a ação. “Tem que levar à força mesmo, eles não têm discernimento para decidir”, afirma.
A autônoma Ana Paula Mira, de 33 anos, conta que o período em que seu pai passou no hospital psiquiátrico foi marcado por desencontros entre os dois e muita esperança na recuperação do paciente.
Com direito a visitar o pai apenas uma vez por semana, Ana Paula só conseguiu encontrar com o paciente em dois dias durante o mês. “Mudaram o horário de visita e não me avisaram. Quando cheguei, não me deixaram entrar”, diz a filha.
Com regras definidas e restrições impostas aos familiares, o Hospital Lacan autoriza que o paciente dê um telefonema diário, com duração de três minutos. Esse foi o método de comunicação mais utilizado entre os dois.
Pai de Ana Paula, no dia em que chegou sedado ao
Cratod, no Centro de SP (Foto: Tahiane Stochero/G1)
CasoCratod, no Centro de SP (Foto: Tahiane Stochero/G1)
Em 21 de janeiro, após o lançamento do programa de enfrentamento ao crack, a autônoma decidiu ir ao Cratod para tentar internar involuntariamente seu pai, que vivia na situação de morador de rua e era usuário da drogas havia mais de dois anos
Como o usuário não queria se submeter a um tratamento, a filha dopou o pai com um calmante colocado em um suco para conseguir levá-lo ao Cratod. Depois de esperar mais de 24 horas em um leito provisório, o paciente foi encaminhado para uma vaga no hospital psiquiátrico.
A aparência do paciente mudou após sua internação e chocou a filha, que pôde ver mais claramente o efeito das drogas. “Eu me assustei quando o vi sem barba, pois a aparência dele é de um homem de 80 anos. Ele está muito magro, abatido”, conta Ana Paula.
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No entanto, aos poucos, o dependente foi recuperando sua autoestima nos
últimos 30 dias e diz frequentemente que deseja operar as varizes e
arrumar os dentes quando deixar o hospital. “Quando liga, me pede para
levar hidratantes e até a marca do xampu que deseja usar, além de óculos
de sol”, conta Ana.O paciente só percebeu que havia sido internado contra a vontade para o tratamento da dependência química quando chegou ao Lacan. “Dias depois ele me ligou e disse que eu tinha conseguido enganá-lo. Mas depois agradeceu pela minha atitude, pois sabia que eu queria o melhor para ele”, diz a autônoma.
Ana conta que o pai usa drogas há mais de 20 anos, entre idas e vindas, e que espera que ele fique internado no mínimo seis meses. “Estou confiante na recuperação dele, está com força de vontade. Mas tenho medo que ele receba alta em breve e sofra uma recaída por causa da abstinência”, diz.
Com receio da agitação do paciente, a filha pretende entretê-lo com os netos para garantir a reaproximação familiar. “Tenho medo de que fique impaciente em casa e volte para as ruas”, confessa.
Pai dependente de drogas ao lado da filha, que fez a internação involuntária (Foto: Tatiana Santiago/ G1)
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